domingo, 13 de janeiro de 2008

Arte Poética

Mirar o rio, que é de tempo e água,
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.


E sentir que a vigília é outro sonho
que sonha não sonhar, sentir que a morte,
que a nossa carne teme, essa mesma morte
de cada noite, que se chama sonho.


E ver no dia ou ver no ano um símbolo
desses dias do homem, de seus anos,
e converter a afronta desses anos
em uma música, um rumor e um símbolo.


E ver na morte o sonho, e ver no acaso
uma triste riqueza, assim é a poesia,
que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o acaso.


Às vezes, pelas tardes, uma face
nos observa do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria face.


Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao avistar sua Ítaca
humilde e verde. A arte é essa Ítaca
de um eterno verde, e não de prodígios.


Também é como o rio interminável
que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante , que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.


Jorge Luis Borges

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